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Por Bruno Rosso Zinelli
A desestatização de empresas estatais tem sido uma estratégia adotada por muitos países para promover a eficiência econômica e reduzir a intervenção estatal na economia. Contudo, um desafio significativo que emerge desse processo é a superveniente falta de jurisdição administrativa1 dos Tribunais de Contas na fiscalização dessas entidades após a transferência para o setor privado.
No Brasil, por exemplo, o Tribunal de Contas da União (TCU) desempenha um papel vital na supervisão das empresas estatais2, da mesma forma como ocorre em relação aos Tribunais de Contas dos Estados (TCE), seguindo a linha de repartição de competências, garantindo a transparência e a legalidade na gestão dos recursos públicos. No entanto, com a privatização crescente dessas empresas, surge uma lacuna na competência de os Tribunais de Contas exercerem sua função de controle externo3.
Uma das principais razões para essa limitação é a mudança do status das empresas de estatais para privadas. Enquanto aquelas estão sujeitas a uma série de leis em sentido amplo que permitem o escrutínio por parte dos Tribunais de Contas, as empresas privadas operam em um ambiente mais dinâmico, com menos obrigações de prestação de contas e transparência, sem que isso signifique, no entanto, ausência de sujeição à fiscalização das Agências Reguladoras, por exemplo.
Nesse sentido, recentes decisões do TCE-RS e do TCU indicam uma jurisprudência que está sendo consolidada no sentido de que tais órgãos de controle externo não possuem mais competência “para imputar débito aos responsáveis por entidade estadual privatizada, ainda que o prejuízo ao erário tenha ocorrido anteriormente à privatização, a menos que reste demonstrado que a inconformidade reduziu o valor obtido no processo de desestatização, não se cogitando, ademais, de repatriação de recursos a entidade privada”.
Ainda, no voto do Acórdão nº 2.148/2023-Plenário, o ministro Antônio Anastasia, relator do processo, asseverou que “Assim, fica assentada ausência de jurisdição do TCU sobre as empresas envolvidas no superfaturamento objeto desta instrução, uma vez que o cofre beneficiário seria privado, seguindo o entendimento do Acórdão 1.134/2023-TCU-Plenário, da relatoria do Min. Benjamin Zymler”.
Diante disso, a imputação de débitos para responsabilização dos envolvidos e a determinação de adoção de providências para correção de eventuais falhas, por exemplo, estariam obstadas em razão da ausência jurisdição dos Tribunais de Contas em face da desestatização.
É importante ressaltar que, embora os Tribunais de Contas continuem exercendo seu papel na fiscalização das empresas estatais durante o processo de privatização, sua atuação se torna mais tênue após a transição para o setor privado.
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1 “O Supremo Tribunal Federal possui entendimento de que a possibilidade dos Tribunais de Contas exercerem controle incidental de constitucionalidade representa, como via de regra, um alargamento indevido da competência fiscalizadora que lhe foi atribuída pela Constituição Federal, frente à ausência de função jurisdicional dos órgãos administrativos”. (RE 1.361.946 AgR, rel. min. Edson Fachin, j. 13-4-2023, 2ª T, DJE de 17-5-2023).
2 “Ao TCU é assegurado plexo de poderes e mecanismos cautelares voltados à garantia da eficácia de eventuais provimentos definitivos que imponham sanções a agentes públicos ou particulares responsáveis por irregularidades no trato de recursos públicos”. (MS 35.920, rel. min. Marco Aurélio, red. do ac. min, Gilmar Mendes, j. 18-3-2023, P, DJE de 13-4-2023).
3 Art. 71, CF/88 e Art. 71, CE-RS/89.